Camus ano 96

Um homem contempla e o outro cava o seu túmulo: como separá-los? Os homens e seu absurdo? Mas eis o sorriso do céu. A luz se infla e será logo verão? Mas eis os olhos e a voz daqueles a quem é preciso amar. Sou ligado ao mundo por todos os meus gestos; aos homens, por toda a minha piedade e o meu reconhecimento. Entre este lugar e este avesso do mundo, não quero escolher, não gosto que se escolha. As pessoas não querem que se seja lúcido e irônico. Dizem: “Isso mostra que você não é bom”. Não vejo a ligação. É claro, se ouso dizer a alguém que é imoralista, traduzo que ele tem necessidade de atribuir-se uma moral; o outro, que despreza a inteligência, compreendo que não consegue suportar suas dúvidas. Mas isto porque não gosto que se trapaceie. A grande coragem é, ainda, a de manter os olhos abertos, tanto sobre a luz quanto sobre a morte. De resto, como explicar o elo que leva deste amor devorador pela vida a esse desespero secreto. Se escuto a ironia, escondida no fundo das coisas, ela se descobre lentamente. E, piscando o olho pequeno e claro: “Viva como se...”, diz ela. Apesar de muitas pesquisas, está aí toda a minha ciência.

Albert Camus, “O avesso e o direito”, trad. Valerie Rumjanek.
Hoje, o autor completaria 95 anos.

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