Camus ano 100

Dirão sem dúvida que nada disso é peculiar à nossa cidade e que, em suma, todos os nossos contemporâneos são assim. Sem dúvida, nada há de mais natural, hoje em dia, do que ver as pessoas trabalharem de manhã à noite e optarem, em seguida, por perder nas cartas, no café e em tagarelices, o tempo que lhes resta para viverem. Mas há cidades e países em que as pessoas, de vez em quando, suspeitam que exista mais alguma coisa. Isso, em geral, não lhes modifica a vida. Simplesmente, houve a suspeita, o que já significa algo. Oran, pelo contrário, é uma cidade aparentemente sem suspeitas, quer dizer, uma cidade inteiramente moderna. Não é necessário, portanto, definir a maneira como se ama entre nós. Os homens e as mulheres ou se devoram rapidamente, no que se convencionou chamar ato de amor, ou se entregam a um longo hábito a dois. Também isso não é original. Em Oran, como no resto do mundo, por falta de tempo e de reflexão, somos obrigados a amar sem saber.
 [...]

- Vejamos, Tarrou, você é capaz de morrer por um amor?
- Não sei, mas parece-me que não, agora.
- Está vendo. Você é capaz de morrer por uma ideia, é visível a olho nu. Pois bem, eu estou farto das pessoas que morrem por uma ideia. Não acredito em heroísmo. Sei que é fácil e aprendi que é criminoso. O que me interessa é que se viva e que se morra pelo que se ama.
Rieux escutara o jornalista com atenção. Sem deixar de olhar para ele disse, suavemente:
- O homem não é uma ideia, Rambert.

Albert Camus, A peste, trad. Valerie Rumjanek Chaves.

Hoje, o autor completaria 99 anos.

Um comentário:

MCris disse...

existe a suspeita
- e isso certamente significa algo.

viva o tirocínio!

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