Camus ano 99

Todas essas vidas conservadas no ar rarefeito do absurdo não se saberiam sustentar sem algum pensamento profundo e constante que as anima com sua força. Mesmo esta só pode ser um singular sentimento de fidelidade. Viram-se homens conscientes desempenhar sua tarefa em meio às mais estúpidas guerras sem se acreditarem numa contradição. É que se tratava de não se esquivar a nada. Há, desse modo, uma felicidade metafísica a sustentar a absurdidade do mundo. A conquista ou o jogo, o amor inumerável, a revolta absurda são homenagens que o homem presta à sua dignidade numa campanha em que ele está antecipadamente vencido.
Trata-se apenas de ser fiel à regra do combate. Esse pensamento pode ser suficiente para alimentar um espírito: ele sustentou e sustenta civilizações inteiras. Não se nega a guerra. Tem de se morrer ou viver com ela. De igual modo o absurdo: trata-se de respirar com ele, de reconhecer suas lições e redescobrir sua carne. Quanto a isso, a alegria absurda por excelência é a criação. “A arte e nada além da arte”, diz Nietzsche, “temos a arte para não sermos mortos pela verdade”.
Albert Camus, “Filosofia e romance”, in O mito de Sísifo, trad. Mauro Gama.

Hoje, o autor completaria 98 anos.

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