Camus ano 100

Dirão sem dúvida que nada disso é peculiar à nossa cidade e que, em suma, todos os nossos contemporâneos são assim. Sem dúvida, nada há de mais natural, hoje em dia, do que ver as pessoas trabalharem de manhã à noite e optarem, em seguida, por perder nas cartas, no café e em tagarelices, o tempo que lhes resta para viverem. Mas há cidades e países em que as pessoas, de vez em quando, suspeitam que exista mais alguma coisa. Isso, em geral, não lhes modifica a vida. Simplesmente, houve a suspeita, o que já significa algo. Oran, pelo contrário, é uma cidade aparentemente sem suspeitas, quer dizer, uma cidade inteiramente moderna. Não é necessário, portanto, definir a maneira como se ama entre nós. Os homens e as mulheres ou se devoram rapidamente, no que se convencionou chamar ato de amor, ou se entregam a um longo hábito a dois. Também isso não é original. Em Oran, como no resto do mundo, por falta de tempo e de reflexão, somos obrigados a amar sem saber.
 [...]

- Vejamos, Tarrou, você é capaz de morrer por um amor?
- Não sei, mas parece-me que não, agora.
- Está vendo. Você é capaz de morrer por uma ideia, é visível a olho nu. Pois bem, eu estou farto das pessoas que morrem por uma ideia. Não acredito em heroísmo. Sei que é fácil e aprendi que é criminoso. O que me interessa é que se viva e que se morra pelo que se ama.
Rieux escutara o jornalista com atenção. Sem deixar de olhar para ele disse, suavemente:
- O homem não é uma ideia, Rambert.

Albert Camus, A peste, trad. Valerie Rumjanek Chaves.

Hoje, o autor completaria 99 anos.

Crivo de Eratóstenes


10 DEFINT A-Z : INPUT "Número máximo";N : TIME=0
20 CLS : DIM A(N) : PRINT "Calculando números primos até";N : PRINT
30 F=3 : B=SQR(N)
40 IF A(F) THEN F=F+2 : GOTO 40
50 IF F>B THEN 70
60 FOR G=F^2 TO N STEP F*2 : A(G)=-1 : NEXT G : F=F+2 : GOTO 40
70 PRINT 2; : FOR G=3 TO N STEP 2
80 IF NOT A(G) THEN PRINT G;
90 NEXT G : PRINT : PRINT "Tempo (em segundos):";TIME/60 : END
100 REM data estelar 140715

Sairei bem no escuro pela rua

— Já sem sonhos, os que um dia ousaram mirar-se nas estrelas.

Ela me atingiu com essa. Era sempre assim, quando eu menos esperava uma interrupção, quando eu menos queria um pensamento externo a se intrometer em minhas cogitações.

— Que foi, não reconheceu? Um legítimo Pablo del Araguaia, como você sussurrava às vezes quando ainda tinha esperanças de me comover.

Não à toa, era feita de ágata. Era feita para transmitir calor, não para sofrer seus efeitos. A sibila falava perto de minha nuca, sem temer minhas reações.
Ela sentia quando eu me perdia completamente. Sempre que eu lia as notícias do mundo nas velhas páginas de jornal. Sempre que eu me via em hábitos do antigo século 20.
Porque eu não sabia como reagir.
E a sibila sabia que eu não devia reagir a ela.

Porque ela desejava me ensinar a viver no mundo sendo ela mesma um mundo inteiro concentrado. Mas não conseguia caber nessa fôrma.

— Puxa, só queria te ajudar com um pouquinho de fracasso.
— Com o exemplo, né? O homem é catalão, e você é profeta de borda de precipício.
— Tá bom. Mas essa história de sonhos não fui eu que comecei.

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Postagem original em 26/01/2007.

Camus ano 99

Todas essas vidas conservadas no ar rarefeito do absurdo não se saberiam sustentar sem algum pensamento profundo e constante que as anima com sua força. Mesmo esta só pode ser um singular sentimento de fidelidade. Viram-se homens conscientes desempenhar sua tarefa em meio às mais estúpidas guerras sem se acreditarem numa contradição. É que se tratava de não se esquivar a nada. Há, desse modo, uma felicidade metafísica a sustentar a absurdidade do mundo. A conquista ou o jogo, o amor inumerável, a revolta absurda são homenagens que o homem presta à sua dignidade numa campanha em que ele está antecipadamente vencido.
Trata-se apenas de ser fiel à regra do combate. Esse pensamento pode ser suficiente para alimentar um espírito: ele sustentou e sustenta civilizações inteiras. Não se nega a guerra. Tem de se morrer ou viver com ela. De igual modo o absurdo: trata-se de respirar com ele, de reconhecer suas lições e redescobrir sua carne. Quanto a isso, a alegria absurda por excelência é a criação. “A arte e nada além da arte”, diz Nietzsche, “temos a arte para não sermos mortos pela verdade”.
Albert Camus, “Filosofia e romance”, in O mito de Sísifo, trad. Mauro Gama.

Hoje, o autor completaria 98 anos.

Choosing what to post

begin

REM SIXTEEN RESPONSE CLASSES
data sibila,teoria,literatura,politica
data calendario,absurdo,regra,amor
data seno,drama,memoria,lua
data nerd,fisica,rua,controle

REM R(X) = RESPONSE CLASS X
for x=1 to 16
read r(x)
next

REM F(X) = FREQUENCY OF CLASS X
for x=1 to 16
get f(x)
next

REM SR(X) = REINFORCEMENT FREQUENCY OF CLASS X
for x=1 to 16
get sr(x)
next

REM A(X) = FITNESS OF CLASS X
for x=1 to 16
a(x)=sr(x)/f(x)
next

REM L = LEAST FIT CLASS
REM M = MOST FIT CLASS
for x=1 to 16
if a(l)_is_more_than_a(x) then l=x
if a(m)_is_less_than_a(x) then m=x
next

REM SELECTION AND VARIATION
erase random_response_from_class_r(l)
print random_response_from_class_r(m)

end

Linha de base

Solidão é o frio através dessa roupa espessa que me protegeria do mundo se o mundo não fosse habitado de criaturas tão magníficas, a cria fabulosa de macacos capazes de lançar palavras que abatem corações e artefatos que nos libertam finalmente da gravidade. Nós temos conversa mole de desenganar moça e sabemos o suficiente de balística para viajar a outros planetas. Isso é parte de nossa carne. Amostra de nossos poderes e de nossas misérias.

Quanta febre tive, quantos versos eu repetia sozinho apenas para dizer melhor a ela, para afogá-la melhor no desejo sem conversa, na bebedeira de nossos encontros, no suor monótono de suas sardas, assoladas por nossos esforços como produtores de rum sob tempestades atlânticas. Depois, a gratidão irracional que sublimava da carne, brotando do espírito rampante, como se houvesse sentido em ser feliz por ser o que se é. Como se houvesse sentido em crer especial uma experiência comum milhões de gerações antes daquele casal que o dia descobria mais uma vez, diante das águas sem fim. Como se amar fizesse sentido.

Mais além das expectativas de sobrevivência e dos confortos acessórios, erguidos sobre colunas fulgurantes, mas desta vez não pelo querubim das histórias, vimos subir para longe de nossos jardins os intrépidos astronautas, e com eles flagramos a rosa mística. Nossos iguais subiram aos céus em máquinas incríveis, para descobrir que ela estava embaixo, gloriosamente mutante, embaixo, sob nossos pés. Temor e tremor bem de perto, mas em voo, graça plena, prazer verdadeiro, delícia sutil.

Se sobrevivemos ao nascimento tempo bastante para que os hormônios façam efeito, inquietos estaremos até repousar em regaço suave, para matar a sede ou entregar o espírito depois de sofrer o suficiente. Diz o roteiro.

Percorrer um caminho me faz acreditar nele, faz com que eu ache o mundo, a leste e oeste das margens, tão real quanto a trilha em que me persigo. Tudo o que eu fazia era para me perder do mundo e ler, volume após volume, sem dizer uma palavra a mais do que o preciso, sem gastar o tempo dos olhos nos olhos de outros animais, sem trabalhar mais do que os centavos contados para viver a miséria de cada dia. Eu ardia na fome de me confundir, pôr fim em todas as lembranças, uma a uma, e ter no lugar apenas as perguntas de outros homens e suas respostas brilhantes, as histórias sem fim de personagens que fossem reais, mais do que as ilusões que compunham a paisagem obscura de meu quarto e que respondia por minha personalidade.

Desde que as noites se tornaram frias demais para mim, eu sofro como um relógio. Quero dormir e não chega a hora. Sim, fechar os olhos e num instante fazer as horas invisíveis, para reabri-los um instante depois com as mesmas preocupações de existir, sem as originalidades que me fazem sofrer tanto quando os trabalhos da jornada se extinguem sob minhas mãos e não tenho mais nada a fazer, mais ninguém a servir.

Sinto frio através da roupa espessa, mas o mundo lá fora me sufoca.

Todos os dias, acordo com o sol que passa pelas frestas da janela. Abro as folhas para ver o tempo e saber como será o dia. Vai fazer calor, como foi na lua nova e como será nos próximos dez mil meses. Ao menos as chuvas vêm enfraquecendo, quase posso ver as praias se formarem no rio mais uma vez, e mais uma vez chegarem os turistas para as festas noturnas e os bares onde as mesas de metal ficam com os pés n'água e os amigos, da mesma forma, aproveitam a cerveja gelada e o peixe frito que pouco antes se escondia na corrente cor de terra.

Mas vejo o futuro, só teremos esse lazer daqui a semanas. Antes teremos as festas dos santos milagreiros, que enlaçam os homens às iaras em sagrado matrimônio e libertam os escravos nas histórias magníficas, atividades contraditórias que nem a teologia bem-educada do padre consegue explicar.

O rio fica à distância de um cigarro. Nesta época, o tamanho dos barcos que nos ligam às cidades vizinhas diminui à medida que aumenta a altura das margens. Logo terei de usar as escadas para receber os livros encomendados ou partir, às vezes, para as vilas vizinhas, horas acima ou abaixo no rio. Mas não consigo esquecer como eram as outras terras, além da estrada pré-histórica, a série cuidadosamente disposta de crateras que liga o posto avançado ao resto do país.

Além do espaço que posso cobrir com um dia de caminhada, está o mundo, em todas as direções. Tudo que conheço dele hoje forma uma coleção de paisagens imaginárias. Num canto, lá está, com jeito de cartão-postal de cidade grande, uma estátua em bronze suja e esverdeada numa praça antiga com nome de santo. Era profana demais para estar ali. Como era viver todos os dias com essa visão? Metal, concreto, pedra e fuligem. Eu poderia sonhar com isso. Eu queria ter sonhado apenas. Percorrer as ruas, aprender com os pés os caminhos que tanta gente usa para correr aos seus amores ou obedecer ao patrão, reencontrar o que posso ter vivido ali e que tinha se perdido entre lembranças mais urgentes. É hora de tomar café. Talvez isso me traga de volta ao normal. Um dia.

Tenho sobre o fogão uma gravura da esfinge. Injeto nela os olhos enquanto trago o caldo preto. O objetivo é me resgatar do desespero das lembranças e das emoções de todos os tempos que se compactam nos minutos entre sair da cama e despertar, os pensamentos disparatados que se multiplicam em meu pobre corpo, como num bebê louco por um bom seio. Segundo a teoria. Devo esperar com paciência, até que astronautas, amantes e melancolias se dissolvam diante de mim e eu perceba o mundo como espaço, as expectativas como tempo, existir e sofrer como causa e efeito, e as coisas visíveis e invisíveis como objetos. Em silêncio, "eu" vibra na garganta, "eu sou", e meu nome, diante da mulher com as partes de leoa, ícone do caminho, da verdade e da vida na seita dos caçadores do lapso, uma doutrina já senhora, ou melhor, secular, que congrega os felizes desbravadores do nada. Quando a sua catequese começou a se aplicar nesse continente, o diabo, que fazia um bico de revisor na sociedade, inspirou o tradutor dos textos sagrados a se desapegar do dicionário e confiar mais em si mesmo. Por isso o movimento ficou conhecido no país como solipsismo, e seu objetivo era estudar o desenvolvimento normal e patológico do solecismo. Acharam graça do caso, sentiram como se diante de si um escorpião se empalasse com o próprio aguilhão, ou melhor, como prova da doutrina.

Desperto, portanto, através da zombaria de mim mesmo. Abandono então a esfinge, porque em seguida seria lembrar de patricidas capengas e desejar mamãe, o que é inútil, já que no momento não vejo nenhuma moça disposta a me receber no colo nu. Para deixar o sono e declarar-me consciente, devo rir da mesma piada todas as manhãs, para esquecer essa história rapidamente e substituí-la por tudo o que preparei para me comandar em mais um dia.

Faz dez anos que vivo refugiado neste posto avançado. Tenho me concentrado em envelhecer, mas ainda não tive sucesso. Exorcizar de mim os sete demônios que me confundem e me fazem rir às vezes. Sim, dominarei todas as ilusões da consciência, inclusive eu, ao entregar cada pulsação de minhas células sob a regência de tudo que não sou. Eu me dissolverei. Anseio por isso desde que não sinto mais a sensação suave de mim coincidir com minha pele aquecida sobre as sardas da sibila.

O café me leva a tirar as roupas excessivas que me cobriram em mais uma noite difícil, trêmula, monstruosa. O calor já é suficiente para que minhas lágrimas se misturem a grossas gotas de suor. É a ruiva, como me ensinou a chamar essas manhãs o Lume das Estepes, um velho guarani que sempre viveu com os brancos e inventou esse nome por afeição aos apaches. Era devoto de São Jorge, e vestia o santo com roupinha de Gerônimo, duplicando sua devoção e os efeitos da providência. O caso é que mostrava gosto especial pela língua portuguesa, e se eu fosse médium lhe diagnosticaria como alma desgarrada da santa terrinha e encarnada no endereço errado. Cavalo-de-santo ou não, o dia, que sempre começava amulherado, agora era ainda mais específico. Então aurora é ruiva. Assim seja, quero encontrá-la muitas vezes sem cansar.

O Lume era o próximo passo da sequência amarrada que me conduzia da cama à cama num ciclo cada vez mais perfeito, despertar, trabalhar, dormir, todos os dias. Ele era o meu primeiro cliente da jornada. Paciente talvez, alvo ou vítima, aluno, mais um intrépido crente de si mesmo e de que é possível saber e até falar alguma coisa do mundo. Sou pago para ajudá-lo a superar suas próprias expectativas, já que ninguém esperava nada mais dele nem de meus outros alunos. Também serei pago se pelo menos orientá-lo a dizer as próprias convicções com começo, meio e fim, sem ir nem um milímetro além da aquisição do vocabulário necessário para passar pelos testes dos círculos sociais que lhe valeriam o carimbo de sabido o bastante para sentar-se nos sofás das melhores rodas da pálida sociedade que reluz nas metrópoles esfumaçadas longe daqui.

Mais café, alguma roupa, bicicleta e paciência. Devo chegar ao Lume antes que tenha a ideia de passar em minha casa para me tirar o sossego e exigir meu trabalho além do que eu aguento. Ele já estará lá, na escola, na outra ponta da vila, e vai ser chegar e imediatamente acelerar os miolos à toda, pra entender tudo direito dessas ideias tão distantes do meu corpo, do meu amor, da saudade da sibila, do ilhéu que o mundo todo é quando ela está longe.

Nosso trabalho começou pelo teste em si. O objetivo se transformou rapidamente em objeto de estudo. "É, agora eu entendo o dilema do ginecologista", ele dizia às vezes, já mergulhado na cerveja e carregando nas piadas grossas para disfarçar os seus problemas. Foi incrível como absorveu em poucos meses técnicas e teorias que costumavam se mostrar inférteis e duras para estudantes dedicados; ele as devorava por mera curiosidade, viver sua vida toda com ou sem elas não teria mudado o peso de sua alma, mas ele avançava, página por página, como se seus olhos avermelhados fossem o dispositivo exterior de um artefato oculto sob a pele, com engrenagens, roldanas, giroscópios e pêndulos, o motor que transformava um combustível invisível, o capricho, em leitura e cogitações.

- Pela carteira vermelha, faço até caridade. Sabe? Daquela cor do carpete que pregam na parede do cinema. É bonito de ver.

Brinquedos. As fichas que regem as cidades e seus cidadãos hoje são quase isso. Como no presídio em que os pontos de bom comportamento são motivo de orgulho e redenção, como se viver no limbo fosse melhor que o inferno em si. Talvez seja. Conheci um italiano que me garantia ter os melhores gregos da história instalados ali para sempre, entre os bebês sem batismo. Afinal, o que mais podiam desejar?

Funciona assim, ó, você, que ainda não percebeu que está num país moderno. Todos os espaços públicos são hoje controlados, e com eles um por um de cada símio humano identificado como cidadão. O direito de ir e vir, tão bonito nos papéis antigos, foi logo posto de lado por impraticável e contraditório com o direito à propriedade, diante do mundo real. Então quem tinha o que agarrar não ligou quando se instituiu a circulação controlada pelos cartões dos círculos sociais.

Camus ano 98

Ah! era assim mesmo, a vida desse menino tinha sido assim... com seu sangue jovem fervendo, um apetite devorador pela vida, a inteligência audaciosa e ávida, e um longo delírio de alegria entrecortado por freadas bruscas que lhe eram impostas por um mundo desconhecido, deixando-o confuso, mas logo depois refeito, procurando compreender, saber, assimilar esse mundo que não conhecia e no fundo assimilando-o porque o abordava de modo ávido, sem se furtar, com boa vontade mas sem baixeza e sem nunca perder uma certeza tranquila, até mesmo uma segurança, pois ela lhe assegurava que conseguiria tudo o que queria e que nada, jamais, nesse mundo e apenas nesse mundo seria impossível para ele e preparando-se (e também preparado pela nudez de sua infância) para encontrar sempre seu lugar onde quer que fosse, porque não desejava lugar nenhum, mas apenas a alegria, os seres livres, a força e tudo que a vida tem de bom, de misterioso e que não se compra e nunca se comprará. Preparando-se mesmo à custa da pobreza para ser capaz um dia de receber dinheiro sem nunca ter pedido e sem jamais ser submisso a ele...
Albert Camus, “Obscuro a si mesmo”, in O primeiro homem, trad. T.B.C. Fonseca e M.L.N. Silveira.

Hoje, o autor completaria 97 anos.

Aujourd'hui, Camus est mort

Ou talvez ontem, não sei. Quem sabe, há 50 anos?

Se eu sinto saudade de alguém que nunca conheci? Acho que sim. Seria adorável ouvi-lo, com as devidas legendas requeridas por minha falta de cultura francesa, ou ler um artigo seu durante as décadas em que temos vivido.

Nele eu acreditaria quando ele nos lembrasse a beleza que existe sob o sol e sob a lua. Nele eu acreditaria quando ele falasse sobre a esperança de que outras gerações, quem sabe, verão primaveras sutis.

Talvez Albert Camus não pudesse envelhecer sobre esta terra que ele tanto amou. Ele era uma ameaça para a liberdade da morte, e ela nunca se arrisca.

Analysis of the concept of self in James and Skinner

Available for download at the Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP:
Dentello, Frederico. (2009). Analysis of the concept of self in James and Skinner. Dissertation for Master’s Degree, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Abstract
This is a comparative study of the concepts of self as formulated by the psychologists William James (1842-1910) and B. F. Skinner (1904-1990). The source for James’ concept was the chapter “The consciousness of self” of his book The principles of psychology, from which I described the constituents of the empirical self, the author’s reflection on the pure ego, and the feelings, emotions and actions of the self. In Skinner’s case, the sources were the section “The individual as a whole” of the book Science and human behavior, the chapter “Thinking” of the book Verbal behavior, and a few other articles; I discussed the concepts of self-control and thinking according to radical behaviorism in order to define the self as an organized system of responses. Then I translated James’ concept of self into references to contingencies of reinforcement: the material self in terms of phylogenesis and ontogenesis, the social self in terms of stimulus control, the spiritual self in terms of a repertoire shaped by the verbal community, and the pure ego in terms of the three levels of selection of human behavior. I proposed possible influences of James on Skinner, based on relations between their psychological theories: the conception of multiple selves, the rejection of the conscience as a substance, the affinity of radical empiricism and radical behaviorism, and the idea of evolution of culture. I reflected on the attitude of James and Skinner towards relating empirical data to general principles, on their classification of psychology among the natural sciences, and on the reasons for a supposed death of Jamesian psychology and radical behaviorism. Finally, I suggested some questions to further investigations.

Keywords
B. F. Skinner, behavior analysis, consciousness, contingencies of reinforcement, evolution of culture, radical behaviorism, radical empiricism, self, self-control, stream of thought, subjectivity, thinking, verbal behavior, verbal community, William James.

Camus ano 97

Sabia que milhões de olhos haviam contemplado essa mesma paisagem, que para mim era como se fosse o primeiro sorriso do céu. Estava fora de mim, no sentido profundo da expressão. Assegurava-me de que, sem o meu amor e sem esse belo grito de pedra, tudo era inútil. O mundo é belo e fora dele não há bem-aventurança eterna. A grande verdade, que essa paisagem pacientemente me ensinava, é que o espírito nada significa, como tampouco o próprio coração. E que a pedra aquecida pelo sol ou o cipreste que o céu descoberto faz aumentar de tamanho limitam o único universo onde “ter razão” adquire um sentido: a natureza sem homens. E este mundo me aniquila. Leva-me ao fim. Nega-me, sem cólera. Na noite que caía sobre os campos florentinos, encaminhava-me para uma sabedoria onde tudo já estaria conquistado, se não fossem as lágrimas que me vieram aos olhos e se o imenso soluço de poesia que me inundava todo não me tivesse feito esquecer a verdade do mundo.
Albert Camus, “O deserto”, in Núpcias, trad. Vera Queiroz da Costa e Silva.

“Odeio minha época”, escrevia Saint-Exupéry, antes de sua morte, por motivos não muito distantes daqueles que aqui mencionei anteriormente. No entanto, esse grito, por mais perturbador que nos possa parecer justamente porque partiu dele, que tanto amou os homens em tudo aquilo que possuem de admirável, jamais nos levará a qualquer sentimento de responsabilidade. Que tentação, no entanto, em certos momentos, a de dar as costas a este mundo sombrio e árido! Mas esta é a nossa época e não podemos viver odiando-nos uns aos outros. Se ela decaiu tanto, não foi apenas pelo excesso de suas virtudes, mas também pela grandeza de seus defeitos. Lutaremos por aquela, dentre suas virtudes, que vem de longe. Qual virtude? Os cavalos de Pátroclo choram a morte de seu dono na batalha. Tudo está perdido. Mas o combate recomeça com Aquiles e a vitória é obtida no final, porque a amizade acabara de ser assassinada: a amizade é uma virtude.
Albert Camus, “O exílio de Helena”, in O verão, trad. Vera Queiroz da Costa e Silva.

Hoje, o autor completaria 96 anos.

Analise do conceito de eu em James e Skinner

“Este coração, em mim, posso experimentá-lo e julgo que ele existe. Este mundo, posso tocá-lo e julgo ainda que ele existe. Pára aí toda a minha ciência, o resto é construção. Porque, se tento agarrar este eu de que me apodero, se tento defini-lo e sintetizá-lo, ele não é mais do que uma água que corre entre meus dedos. Posso desenhar um por um todos os rostos que ele sabe usar, todos aqueles também que lhe foram dados, essa educação, essa origem, esse ardor ou esses silêncios, essa grandeza ou essa mesquinhez. Mas não se adicionam rostos. Até este coração que é o meu continuará sendo sempre, para mim, indefinível” (Albert Camus, O mito de Sísifo).

Dissertação de mestrado
Análise do conceito de eu em James e Skinner
Frederico Dentello
PSE-IP-USP
Programa de pós-graduação em Psicologia Experimental
Instituto de Psicologia
Universidade de São Paulo

Disponível para download na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP:
Dentello, F. (2009). Análise do conceito de eu em James e Skinner. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Defesa
Data: 30 de setembro de 2009.
Banca: Profa. Maria Teresa de Araujo Silva, Profa. Maria Martha Costa Hübner, Dr. Luiz Guilherme Gomes Cardim Guerra.
Resultado: Aprovado.
Parecer: “O candidato revela domínio do tema e dos autores investigados, alcançando um nível de erudição, com um texto perfeito do ponto de vista gramatical e de encadeamento. Além disso, a obra deverá ter impacto sobre o ensino de graduação e sobre a recuperação do importante papel de William James na construção da Psicologia”.

Resumo
Realizamos um estudo comparativo entre os conceitos de eu tal como formulados pelos psicólogos William James (1842-1910) e B. F. Skinner (1904-1990). No caso de James, a fonte foi o capítulo “A consciência do eu” de sua obra Os princípios de psicologia, a partir do qual relatamos os constituintes do eu empírico, a reflexão do autor sobre o ego puro e a descrição dos sentimentos, emoções e ações do eu. No caso de Skinner, as fontes foram a seção “O indivíduo como um todo” da obra Ciência e comportamento humano e o capítulo “Pensamento” da obra Comportamento verbal, além de alguns outros artigos; discutimos os conceitos de autocontrole e de pensamento conforme o behaviorismo radical, para em seguida definir o eu como um sistema organizado de respostas. Então traduzimos o conceito de eu de James em referências a contingências de reforço: o eu material em termos de filogênese e ontogênese, o eu social em termos de controle de estímulo, o eu espiritual como repertório modelado pela comunidade verbal e o ego puro no contexto dos três níveis de seleção do comportamento humano. Discutimos possíveis influências de James sobre Skinner a partir de relações entre suas teorias psicológicas: a conceituação de eus múltiplos, a rejeição da consciência como substância, a afinidade do empirismo radical com o behaviorismo radical e a ideia de evolução da cultura. Refletimos sobre a atitude de James e Skinner quanto a relacionar dados empíricos a princípios gerais, sobre ambos classificarem a psicologia no conjunto das ciências naturais e sobre as razões de uma suposta morte da psicologia jamesiana e do behaviorismo radical. Finalmente, sugerimos questões para pesquisas posteriores.

Palavras-chave
Análise do comportamento, autocontrole, B. F. Skinner, behaviorismo radical, comportamento verbal, comunidade verbal, consciência, contingências de reforço, empirismo radical, eu, evolução da cultura, fluxo de pensamento, pensamento, subjetividade, William James.

Restart

begin
if blog
then input X
else if is_time_enough
then output X
end if
end if
end

Camus ano 96

Um homem contempla e o outro cava o seu túmulo: como separá-los? Os homens e seu absurdo? Mas eis o sorriso do céu. A luz se infla e será logo verão? Mas eis os olhos e a voz daqueles a quem é preciso amar. Sou ligado ao mundo por todos os meus gestos; aos homens, por toda a minha piedade e o meu reconhecimento. Entre este lugar e este avesso do mundo, não quero escolher, não gosto que se escolha. As pessoas não querem que se seja lúcido e irônico. Dizem: “Isso mostra que você não é bom”. Não vejo a ligação. É claro, se ouso dizer a alguém que é imoralista, traduzo que ele tem necessidade de atribuir-se uma moral; o outro, que despreza a inteligência, compreendo que não consegue suportar suas dúvidas. Mas isto porque não gosto que se trapaceie. A grande coragem é, ainda, a de manter os olhos abertos, tanto sobre a luz quanto sobre a morte. De resto, como explicar o elo que leva deste amor devorador pela vida a esse desespero secreto. Se escuto a ironia, escondida no fundo das coisas, ela se descobre lentamente. E, piscando o olho pequeno e claro: “Viva como se...”, diz ela. Apesar de muitas pesquisas, está aí toda a minha ciência.

Albert Camus, “O avesso e o direito”, trad. Valerie Rumjanek.
Hoje, o autor completaria 95 anos.

Camus ano 95

Então, não sei por que, qualquer coisa se partiu dentro de mim. Comecei a gritar em altos berros, insultei-o e disse-lhe para não rezar. Agarrara-o pela gola da batina. Despejava nele todo o âmago do meu coração com repentes de alegria e de cólera. Tinha um ar tão confiante, não tinha? No entanto, nenhuma das suas certezas valia um cabelo de mulher. Nem sequer tinha certeza de estar vivo, já que vivia como um morto. Eu parecia ter as mãos vazias.
Albert Camus, O estrangeiro, trad. Valerie Rumjanek.
Hoje, o autor completaria 94 anos.

Bibliografia analítica

Em 1961, J.G. Holland e B.F. Skinner publicaram o livro The Analysis of Behavior: a program for self-instruction (Nova York: McGraw-Hill). Traduzido em português (A análise do comportamento), pode ser encontrado ainda hoje em boas bibliotecas e sebos.
Trata-se de um curso básico de análise do comportamento, a ciência baseada na filosofia do behaviorismo radical. Básico, mas excelente. Destinado a estudantes e profissionais interessados em psicologia.
Existe uma versão para computador, muito mais prática de usar. A Fundação Skinner disponibiliza o programa para download na seguinte página: The Analysis of Behavior. Infelizmente, está em inglês. No entanto, um conhecimento mediano da língua pode ser o bastante para fazer o curso com a ajuda de um dicionário. Em português, pelo que sei, só na forma de livro. Os efeitos, de todo modo, serão os mesmos.
Trecho da apresentação do curso:
Com esse programa, o estudante deve ser capaz de se instruir sobre a parte substancial da psicologia que trata da análise do comportamento — em particular, a predição e o controle explícitos do comportamento de pessoas. A importância prática de tal ciência quase não precisa ser ressaltada, mas a compreensão e o uso eficaz da ciência exigem um apropriado conhecimento em detalhes. Esse programa foi planejado para apresentar os termos e princípios básicos da ciência. Também foi planejado para revelar a inadequação de explicações populares do comportamento e preparar o estudante para rapidamente estender sua busca a campos tão variados quanto comportamento social e psicofarmacologia, vôos espaciais e criação de filhos, educação e psicoterapia. O programa em si é uma aplicação da ciência.

Outro trecho, do item “Como usar o programa”:
O computador apresenta cada item automaticamente. O estudante compõe sua resposta com o teclado. Ao pressionar Enter, a resposta correta é revelada para comparação.
Compor a resposta é essencial. Quando o estudante, embora bem-intencionado, espia adiante sem antes compor uma resposta própria, ele ou ela se dedica a produzir apenas um palpite vago e fracamente formulado. Isso não é eficiente e com o decorrer do processo torna a tarefa como um todo mais difícil. A seqüência de apresentação foi cuidadosamente planejada, e aparentes repetições ocasionais ou redundâncias estão lá por uma boa razão. Evite dar respostas descuidadas. Se você começar a cometer erros porque está cansado ou não está olhando o material com atenção, faça uma pausa. Se você não pôde trabalhar no material pelo período de alguns dias, pode ser aconselhável revisar o último conjunto completado.

Camus ano 94

“De quem e de quê, de fato, posso dizer ‘conheço isso’? Este coração, em mim, posso experimentá-lo e julgo que ele existe. Este mundo, posso tocá-lo e julgo ainda que ele existe. Pára aí toda a minha ciência, o resto é construção. Porque, se tento agarrar este eu de que me apodero, se tento defini-lo e sintetizá-lo, ele não é mais do que uma água que corre entre meus dedos. Posso desenhar um por um todos os rostos que ele sabe usar, todos aqueles também que lhe foram dados, essa educação, essa origem, esse ardor ou esses silêncios, essa grandeza ou essa mesquinhez. Mas não se adicionam rostos. Até este coração que é o meu continuará sendo sempre, para mim, indefinível. Entre a certeza que tenho da minha existência e o conteúdo que tento dar a essa segurança, o fosso jamais será preenchido. Serei para sempre um estranho diante de mim mesmo. Em psicologia, como em lógica, há verdades mas não há verdade.”

De Albert Camus, em O mito de Sísifo, trad. Mauro Gama.
Hoje, o autor completaria 93 anos.

“Nessa hora em que cada um de nós deve retesar o arco para competir novamente e reconquistar, na e contra a história, aquilo que já possui, a magra colheita de seus campos, o breve amor desta terra, no momento em que, finalmente, nasce um homem, é preciso renunciar à época e aos seus furores adolescentes. O arco se verga, a madeira geme. No auge da tensão, alçará vôo, em linha reta, uma flecha mais inflexível e mais livre.”

Camus, O rebelde, trad. Valerie Rumjanek.